Sobre limites
Certa vez ajudei uma paciente a construir uma linha do tempo de sua vida, que abarcava o período de Terapia, aproximadamente dois anos. E ao fazer isso, foi possível perceber que durante todo esse tempo, basicamente três situações incômodas se intercalavam, como um ciclo vicioso, que se repetia continuamente.
Em se tratando de comportamento não tem jeito: não dá pra fugir de si mesma nem do que precisa ser feito. É em vão. Enquanto não se age de maneira efetiva, as mesmas situações voltam, às vezes com uma “carinha” nova, mas com o mesmo fundo. E isso acontece muitas vezes porque não conseguimos definir nossos limites. Não conseguimos traçar adequadamente o que é nosso, até onde o outro pode acessar, em alguns casos não conseguimos sequer comunicar que o que foi feito não foi legal. Apelamos para o “bom senso” onde o outro, sozinho, vai por “a mão na consciência” e perceber sem ser avisado que agiu mal. Na maioria das vezes, não vai. Essa mágica que torcemos para acontecer, o problema se resolvendo sozinho, sem nenhuma intervenção, raramente acontece, seja sincera.
E por que é tão difícil estabelecer esses limites? Por que é tão difícil separar o que é nosso e o que é do outro inclusive devolvendo ao outro o que te pertence e não se entulhar com seus problemas? Por que é tão assustador chamar o outro para conversar e dizer: “chega!” ? Porque aprendemos que para os outros gostarem de nós, nos aprovarem, falarem bem de nós, precisamos agradá-los, ser amáveis, compreensíveis, sorrir. E ok, precisamos mesmo. Só faltou nos contarem aonde paramos. Quando é a hora de dizer numa boa, sem culpas, “isso eu não posso aceitar”. E aí, cada um sabe bem onde seu calo aperta. Uns não conseguem impor limites à família, outros no ambiente de trabalho, outros aos amigos e alguns infelizmente, a ninguém. E seguem carregando fardos, acumulando problemas que não são seus, se ressentindo, adoecendo.
Por isso é muito importante definir seus limites. Primeiro porque você ensina aos outros como gosta de ser tratado pelo que permite, tolera e reforça. Portanto, a não ser que você comece a sinalizar, sua amiga vai continuar achando que não tem nada demais emprestar seus sapatos e não os devolver. Por mais que pareça, nem sempre é tão óbvio para os outros o que é óbvio para nós. Segundo porque as pessoas deveriam estar ao seu lado e gostarem de você por quem você é, não pelas coisas que você faz por elas. Como escrevi acima, falamos “sim” para não magoar ao outro, “sim” para que as pessoas continuem nos definindo como “gente boa”, “sim” para que os outros nos aceitem. Mas se for sua amiga de verdade (e isso deve incluir aceitar também seus defeitos e principalmente seus “nãos”), ela provavelmente entenderá o recado, passará a medir mais suas ações e continuará te amando, porque afinal de contas o que vale é a sua amizade e não seus sapatos certo?
E não se engane, definir até onde o outro pode ir, não é egoismo, é respeito. Nos respeitarmos a ponto de dizer “obrigada mas, não”. E como fazer passar a fazer isso? É preciso tentar ser coerente em relação ao que se sente. Geralmente quando o outro ultrapassa algum limite, chegamos a sentir fisicamente o corpo gritando “não”, bota reparo. Esse é um grande sinal. E aí não tem fórmula mágica, é falar mesmo. Negue algo que você realmente não quer fazer e observe o que acontece. Comece com uma negativa que você considere inofensiva, isso vai ajudar a lidar melhor com a culpa. O que virá a seguir varia. Talvez uma torcida de nariz, um comentário como: “você está estranha, não é mais a mesma”. Mas geralmente é só. As pessoas se adaptam, confie em mim rs. Agora se alguém quiser partir ao ser comunicado sobre seu limite, talvez essa relação não seja tão legal assim não é mesmo? Tente. O que não dá é passar a vida sorrindo e falando “amém” a tudo e a todos. Porque além de exaustivo, é absolutamente desnecessário.