O que há de errado comigo?
Costumo dizer aos pacientes que chegam aqui pela primeira vez que seria muito bom se eles tivessem vindo para esse processo de autoconhecimento antes de levarem suas vidas a um nível de angústia às vezes nunca vivido, mas infelizmente quase nunca acontece. As pessoas vem aos frangalhos por conta de suas culpas, percepções e muitas vezes, muitas mesmo, pelo sentimento de inadequação, visivelmente angustiadas com a sensação de que elas falharam. Obviamente muitas delas falharam, quem nunca? Mas em várias situações penso que quem falhou foi o costume, a norma, a regra. Explico.
Sou de uma geração que cresceu ouvindo que ter uma família era importante, mas o essencial era estudar, se dedicar a uma carreira, ter uma profissão que permitisse estabilidade financeira, realizar projetos e sonhos e principalmente, comprar coisas. Boa parte dos que realmente puderam seguir esse caminho, levando em conta todas as dificuldades econômicas e sociais deste país em que vivemos, hoje, aos 30 – 40 anos, já conquistou algo. Já chegou a alguma meta que disseram que traria felicidade quando alcançada. Aquele objetivo que quando conquistado trouxe o pensamento: “Ufa! Agora sim! Agora a felicidade começa”. E para uma boa parte, não foi o que aconteceu. A alegria veio tímida, ou foi se perdendo ao perceber que é bem legal viajar, mas trabalhar 15h por dia para poder tirar 15 dias de férias por ano afasta outras coisas que também importam bastante. Ou percebeu que é bom ter sua casa própria mas essa parcela que vencerá nos próximos 25 anos todo dia 10 é difícil de engolir. E é aí que muitos entram em crise. Mas não era para estar feliz? Um bocado de pessoas se questiona e chega a conclusão, que é a mais interessante que se acredite para que a ordem e os bons costumes prevaleçam: o problema é você. Deve estar faltando humildade ou quem sabe não foi durante a infância? Aqueles presentes do avô fora de época… Agora nada agrada. Deve ser isso.
Outro exemplo. O que incomoda é o relacionamento. Tudo foi feito como mandava o figurino. Namoro, noivado, casamento na Igreja com vestido, véu e grinalda. Agora uns anos depois, a relação se desgastou. “Você tem que isso”, “você não pode aquilo”, “é assim que funciona”, “isso não está certo.” Vai desanimando porque afinal de contas o problema deve ser você. Você deve ter escolhido errado seu parceiro, tem que estar fazendo algo errado, você falhou porque TODAS as pessoas que você conhece estão felizes em seus casamentos, todas. Não é mesmo? Quanta gente feliz nas redes sociais.
Eu poderia dar tantos outros exemplos de padronizações disseminadas geração após geração, ensinamentos e até mesmo escolhas de pais, amigos e desconhecidos que por um mistério da natureza não te servem, não te faz feliz. Mas veja bem o que não te contaram: regras, padrões, procedimentos e costumes servem para “normatizar”, ou seja, botar ordem no galinheiro. Dizer o que é esperado, bonito ou feio, certo ou errado. E antes que você torça o nariz para mim, achando que sou contrária à regras, eu acho bom que elas existam porque é ótimo ter para onde correr quando não souber como agir. No entanto, se algumas delas não forem seguidas, se algumas delas forem adaptadas, garanto: isso não te tornará um marginal, você continuará pagando seus impostos e fazendo caridade. Talvez provoque olhares julgadores e desconfiados de quem ainda não se permitiu pensar sobre, mas no fim das contas a vida seguirá.
Portanto, meu conselho é se “desengesse”.
Tornou-se gerente da empresa que tanto sonhou mas agora isso não faz mais sentido? Volte duas casas. Tire o sonho que pretendia colocar em prática quando chegasse na aposentaria do papel e o faça acontecer, vá fazer o curso de esteticista que você sempre quis e as pessoas desaprovam, assuma para si mesmo que escolheu a profissão errada e procure algo que te dê satisfação, ficará tudo bem.
Se desconfia que para seu casamento se tornar mais leve vocês precisam é de mais tempo longe um do outro, se permitam. Existe de fato muitas regras sobre como deve ser um casamento. Mas se essa fórmula realmente funcionasse é possível que não tivéssemos tantos divórcios não? Querem morar em casas separadas? Viajar sozinhos? Sair com outras pessoas? Ambos concordam e estão confortáveis? Ok. Por que não pode? Se houver respeito por si mesmo e pelos outros, se houver honestidade, jogo limpo, por que não?
No fim das contas somente você mesmo arcará com as consequências de qualquer escolha inclusive a de se submeter a um padrão que te desagrada e faz sofrer.
Que tal ressignificar alguns costumes, crenças? Afinal não deve ser à toa sermos comprovadamente únicos não é? Não pode se tratar apenas da digital. Você pode pensar diferente, sentir diferente, agir diferente e ainda ser um cidadão de bem, está tudo bem.