Nós não calaremos mais a boca - Maria Fernanda Medina Guido

Nós não calaremos mais a boca

Se vocês entraram em alguma rede social ontem devem ter visto algo sobre a reportagem da Revista Piauí que com muitos detalhes, conta o desenrolar da denúncia da atriz Dani Calabresa e outras atrizes aos assédios do humorista Marcius Melhem, dentro da Rede Globo.

É preciso ter estômago para ler a reportagem. Para mulheres que já sofreram algum tipo de abuso, talvez seja pesado demais. Fica meu alerta.

Resolvi escrever sobre o assunto porque é preciso. Nós precisamos confirmar o que infelizmente já sabemos, como denúncias de assédio são tratadas em grandes empresas. Precisamos saber para nos indignar, para ainda que não achemos bonito, possamos nos reconhecer se for o caso, em alguma das muitas posturas arbitrárias e questionáveis que foram tomadas por muitas pessoas. Por tudo isso é importante se inteirar sobre o assunto.

Ao lê-lo algumas coisas me deixaram muito incomodada, além do comportamento inadmissível de Marcius. A primeira foi a “solução” encontrada pela Globo diante da primeira denúncia que foi mandá-lo para a Terapia, dando o entender que sua conduta seria somente um “desvio de comportamento”. Ok, obviamente há um desvio de comportamento e ele deve ser olhado com mais atenção. Mas o comportamento em questão é criminoso, logo, deveria ser investigado e tratado como tal. A tendência a patologizar o comportamento de criminosos para que eles não enfrentem os ritos normais de investigação e se comprovado punição pela justiça criminal é baixo. E infelizmente muito usado.

A segunda coisa é a quantidade de pessoas que encobriram o comportamento dele nos últimos quinze anos. Muita gente sabia, mas fingia que não. Submissão que fomenta a cultura do estupro e faz com que tantas mulheres omitam a violência que viveram. Submissão que faz com que abusadores continuem ano após ano colecionando vítimas. Submissão que segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020 faz com que um estupro aconteça no Brasil a cada 8 minutos. Enquanto escrevia esse texto, foram pelo menos 10 estupros. Fiquei muito incomodada com a submissão de tanta gente dentro da emissora. Principalmente porque muitas dessas pessoas que fingiram não ver o comportamento dele, ontem estavam no Instagram parabenizando a coragem da atriz. Enfim, a hipocrisia.

Para mim, uma das saídas para que os milhares de Marcius, Robinhos, Andrés e tantos outros entendam que o comportamento deles é inaceitável é falarmos sobre. E muito. Falarmos a exaustão. Para que a cultura do estupro, o machismo entranhado dentro de todos nós possa ser ressignificado. Para que possamos internalizar essas informações e conceitos e com isso combatermos nossas crenças enraizadas que dirão:  “não é bem assim”.⁣⁣ É assim sim. E o que foi exposto acontece o tempo todo. Quanto antes assilarmos tudo isso, menos pessoas sofrerão. Eu já fui assediada, você provavelmente também. Você conhece alguém que já foi estuprada, e isto é uma afirmação. Eu, por minha profissão, conheço dezenas. Não podemos nos calar. Não se cale.

Se você passou por uma situação abusiva, de violência, não sofra sozinha. Busque ajuda, busque apoio especializado, cuide da sua dor. Você também pode ligar para o 180 – Central de Atendimento a Mulher.

 

Deixo aqui o link para acesso a reportagem na integra da Revista Piauí e um link para um vídeo da psicanalista Vera Iaconelli que vai de encontro com tudo que pensei ontem ao ler a reportagem e escrevi agora para vocês e resolvi trazê-lo também, vale a pena assisti-lo.

 

 

 

https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-que-mais-voce-quer-filha-para-calar-boca/

 

 

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