A exaustão é nosso novo limite?
Estava ouvindo o Podcast Bom dia, Obvious, da Marcela Ceribelli, o episódio 125, com a jornalista Luanda Vieira, “Chegou a hora de sonhar de novo?” numa semana realmente caótica, tanto em minha vida pessoal, quanto profissional e esse episódio caiu como uma luva. Luanda conta sua história de trabalho de grande ascensão, até chegar a uma revista famosíssima de moda, como a primeira editora negra e como esse processo a adoeceu. Enquanto contava sua trajetória, Luanda diz acreditar que apesar de ter tido que batalhar bastante, sua jornada havia sido fluida, sem grandes intercorrências. Nesse momento, Marcela a interrompe e complementa com uma fala dela mesma, minutos antes, lembrando a jornalista que se ela já tinha tido em sua trajetória tantas crises de ansiedade como ela havia mencionado, só não sabia até então que eram crises de ansiedade, talvez essa ideia de fluida e sem intercorrências não fosse tão fluida assim. Não é mesmo?
Se você é millenial como eu (pessoas que nasceram entre 1981 a 1996), você provavelmente tem um entendimento ao sofrimento parecido ao meu. Nós crescemos ouvindo, tanto dos nossos pais, das pessoas à nossa volta e sendo bombardeadas pela mídia que pra ser feliz nessa vida, é preciso um bocado de sofrimento. “Nada vem fácil, nada“. Tudo requer muito esforço, dor. Quem não lembra do célebre slogan da Nike? No pain, no gain? E é no trabalho, que esses lemas são obedecidos sem o menor constrangimento, afinal, está praticamente todo mundo fazendo igual e é assim que funciona, sempre foi. Pois é. Seguimos a cartilha direitinho. E estamos até hoje esticando a corda até ela quase estourar quando estamos falando de sofrimento, de entender até onde devemos ir, até quando devemos aguentar. Como se o que nós estamos vivendo no momento ainda não fosse o suficiente para nos dizer “tá bom já, chega.” Continuamos, afinal, nos avisaram, seria difícil.
E quando é que paramos?
Geralmente quando nosso corpo diz: chega. E fazemos isso depois de diversas tentativas primeiramente sutis, depois outras nem tão sutis, até nos nocautear. E na lona, não há outra escolha a não ser, parar. Não porque queremos de fato, afinal existe uma culpa infinita nos consumindo, mas simplesmente porque se nosso corpo diz não, não dá pra continuar.
Mas por que não se para quando o primeiro sinal aponta? Por que se estabelece regras estranhas do tipo “ela ultrapassou meus limites hoje, mas da próxima vez em que fizer isso eu aviso, eu paro, eu desisto”? Não seria mais fácil? Seria. Mas como se nos ensinaram que nada vem fácil nessa vida, “Como assim você já vai desistir?” Ecoa nosso crítico interno. E seguimos, damos mais uma chance, tentamos, insistimos. Temos medo da escassez financeira, medo de desapontar as pessoas que amamos por não aguentar mais, medo de não encontrar um trabalho melhor e tantos outros medos. Então seguimos, até que a pessoa ou a situação se repita novamente, novamente, novamente e…
Não sei você, mas passei a vida cedendo. Aguentando, relevando e adoecendo. Quando meu corpo me disse “chega”, entendi que ou começava a impor limites ou… Não tinha mais ou. E comecei. E como é difícil por limites. As pessoas geralmente reagem mal, afinal se você permitia tanto, “Como assim agora põe regras? Agora você não aceita mais o que aceitava antes? Agora mudou”? Pois é. Mudou. Mudei. E nessa semana em que ouvi esse episódio do podcast, curiosamente, muitas pessoas testaram meus limites, muitas. Parecia um combinado do Universo rs, “vamos ver até onde ela aguenta” rs Segui respeitando o que é importante pra mim, o que acredito, as regras que estabeleci, por exemplo no meu trabalho. Segui. E no final da semana, mesmo despedaçada após tantas bordoadas de pessoas que claramente não estavam me respeitando, só queriam na teimosia, na gritaria ou pelo cansaço me vencer, pararam, porque me mantive fiel a mim mesma. Sei que falo de um lugar de muito privilégio. Sou autônoma e depois de 11 anos na estrada conquistei um lugar onde posso estabelecer esses limites que fazem sentido para que eu possa oferecer um bom trabalho. Mas também sei que a grande maioria pode estabelecer limites mais compassivos consigo mesmos, ainda que sejam empregados, tenham chefes etc.
Na minha família, tenho pessoas maravilhosas e também um tanto críticas e às vezes tão cruéis consigo mesmas por conta de tudo que aprenderam e que muita gente continua insistindo em proliferar porque enquanto trabalhamos feito máquinas muita coisa errada acontece, que vi nas últimas semanas por exemplo uma pessoa sair de uma endoscopia bem sonolenta e imediatamente começar a resolver pendências de trabalho, tendo recomendações expressas para descansar, além de um atestado médico. Outra pessoa, acometida pela dengue, se forçar a trabalhar, num trabalho que exige muito dela fisicamente, porque ela não “podia se entregar” e ouvi de uma pessoa que fazia 17 anos que ela não faltava ao trabalho, nem um dia sequer. Só consegui responder que sentia muito, porque imaginei quantas vezes ela não se obrigou a trabalhar completamente incapaz. Nada disso faz sentido. Provavelmente ninguém será valorizado por esse esforço, já seus corpos… pensa a que exautão estão sendo levados.
Não tenho uma solução mágica para tudo isso. Mas sei que nenhuma empresa para se você faltar. Todo mundo sobrevive. Decidi seguir tentando colocar regras e limites que sejam mais compassivos comigo, sempre que possível. Não é fácil e será para toda a vida, mas entendendo que meu corpo (leia minha mente também rs) é tudo que tenho, inclusive para trabalhar, é preciso estabelecer prioridades. Fica a sugestão. Pequenas mudanças, já fazem grandes diferenças.
Por onde você pode começar?
O episódio do podcast Bom dia, Obvious disponível no Spotify, segue abaixo: