Eu odeio ficar doente e não é por conta dos sintomas…
Entendendo a Gordofobia como estruturada a partir do racismo, ela está entranhada em todos nós e nem poderia ser diferente. Somos bombardeados 24h/dia por todos os lados que corpos gordos não são bonitos, saudáveis, aceitos, bem vindos.
Sendo assim, todos nós desde sempre aprendemos a não aprovar o corpo diferente do “padrão” e também por conta do que nos é repetido incessantemente, aprendemos a culpar e cobrar diretamente da pessoa gorda uma mudança, uma solução para seu “problema”.
Em 2013, a American Medical Association, uma das organizações médicas mais influentes do mundo, decidiu classificar a obesidade como doença. Ao longo dos anos, outras entidades médicas internacionais, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), reconheceram a condição como um problema crônico. Ou seja, necessita de tratamento específico e de longo prazo.
Além disso, é importante dizer porque isso é desconhecido pela grande maioria das pessoas, a obesidade é considerada uma doença multifatorial, em que fatores genéticos, metabólicos, sociais, psicológicos e ambientais estão envolvidos. Então não, não é uma falta de foco, força de vontade ou fé. No entanto, em pleno 2023, é assim que nós gordos, somos tratados pela grande maioria dos profissionais da área da saúde.
Não interessa o problema que te leve ao consultório médico, pode ser os seus pés ressecados, labirintite, ansiedade, infecção intestinal, dores em comum… a primeira recomendação que uma pessoa gorda ouvirá é a de perder peso. Mesmo que seu peso não interfira em nada naquele problema de saúde.
Por muito tempo, com a Gordofobia entranhada em mim, quando ouvia uma recomendação preconceituosa dessas, assentia com a cabeça, porque eu também me culpava, afinal, cadê minha força de vontade? Mas desde que entendi um pouco mais como tudo funciona e passei a me rebelar, responder ou muitas vezes ainda, não conseguir responder imediatamente, mas perceber o que está acontecendo, eu sofro.
Sofro porque sei que não mereço ser tratada daquele jeito. Sofro porque sei que aquele profissional que está me atendendo é preconceituoso, desatualizado e enquanto continuar com essa postura, fará mal a muita gente. Sofro porque o Conselho de Medicina passa a mão na cabeça de médicos gordofóbicos, nos ignora e falo isso com conhecimento de causa. Sofro porque não aconteceu comigo, mas aconteceu com o Vitor Marcos de Oliveira, de apenas 25 anos na última quinta-feira, a falta de estrutura e ouso dizer, de humanidade de tantos profissionais, ao longo do doloroso trajeto que a ambulância que o levava, o deixaram morrer após agonizar por horas.
Por isso odeio ficar doente. Por isso fico em casa até não dar mais, por isso só marco consultas em último caso ou com médicos indicados e confiáveis. E sei que não sou exceção.
E aqui, vale um adendo. Faço parte de uma minoria porque tenho acesso a um convênio médico e quando não me sinto acolhida pelos médicos do convênio, pago médicos particulares que me tratam como todos deveriam, mas essa não era a realidade de Vitor e nem de milhares de brasileiros gordos.
O problema é que saúde é um direito básico, universal, garantido por lei e que está sendo negligenciado a uma parcela significativa da população. Dados indicam 60% da população. E isso vai continuar acontecendo enquanto as pessoas acharem que acessibilidade é “romantizar a obesidade”.
Ontem uma pessoa querida me perguntou o que poderíamos fazer. Eu penso que temos que falar sobre. Falar muito. Falar pra que chegue principalmente em quem não passa por isso e para que essas pessoas possam a partir de informação de qualidade começar a desconstruir dentro delas essa culpabilização preconceituosa que tem sido causadora de tanto sofrimento e de tantas mortes. Se fizermos uma pessoa entender diferente, já é muito.
Para além disso, cobrar. Hora de mandar mensagem pra quem nos pediu votos, eles tem a caneta que pode começar a mudar a nossa história. Para que a morte do Vitor não seja esquecida e para que a falta de acessibilidade deixe de nos matar.